segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Saiba como é o ritual em que o imperador japonês passa a noite com uma "deusa"

Cerimônia na quinta-feira marcará o último grande ritual de entronização
Imperador Naruhito

Na próxima quinta-feira (14) à noite, o imperador do Japão, Naruhito, se vestirá com roupas brancas e será conduzido a um salão de madeira escura para seu último grande ritual de entronização: passar a noite com uma deusa.

Centrada em Amaterasu Omikami, a deusa do sol de quem os conservadores acreditam que o imperador descendeu, a "Daijosai" é a cerimônia mais abertamente religiosa dos rituais do imperador após a abdicação de seu pai Akihito.

Os estudiosos e o governo dizem que consiste em um banquete, em vez de, como tem sido persistentemente divulgado, relações conjugais com a deusa.

Embora o avô de Naruhito, Hirohito, em cujo nome os soldados lutaram na Segunda Guerra Mundial, tenha sido posteriormente despojado de sua divindade, o ritual continua.

Isso provocou ira - e ações judiciais - de críticos que dizem que fere o passado militarista e viola a separação constitucional entre religião e estado, já que o governo paga o custo de 2,7 bilhões de ienes.

Como é a cerimônia?
Por volta das 19h, Naruhito entra em um santuário especialmente construído à luz de fogo, desaparecendo atrás de cortinas brancas.

Em uma sala mal iluminada, ele se ajoelha sobre esteiras de palha, considerado um local de descanso para a deusa, enquanto duas donzelas do santuário trazem oferendas de comida para Naruhito.

Então ele se curva e reza pela paz do povo japonês antes de comer arroz e milho e beber saquê "com" a deusa.

Todo o ritual é repetido em outra sala, terminando de madrugada, por volta das 3h.

Por muito tempo secreta, a cerimônia foi encenada este ano pela emissora NHK, um movimento sem precedentes que os estudiosos dizem que pode ter sido uma iniciativa do governo para dissipar rumores.

"Há uma cama, uma colcha, e o imperador mantém distância dela", disse John Breen, do Centro Internacional de Pesquisa para Estudos Japoneses de Quioto, acrescentando que desmistificar a cerimônia pode ser uma defesa do governo.

"Kingmaking é um negócio sagrado, está transformando um homem ou uma mulher em algo diferente de um homem ou uma mulher", disse ele, apontando para elementos místicos nas funções de coroação da Grã-Bretanha.

"Portanto, a negação do governo japonês de que há algo de místico é bizarra, mas o objetivo é bem claro - é afastar as acusações de que algo inconstitucional está acontecendo".

Tradição antiga
O ritual teria começado nos anos 700 e observado por cerca de 700 anos, mas foi interrompido por quase três séculos, uma lacuna que Breen disse levar à perda de grande parte de seu significado original.

Embora se acreditasse inicialmente ter sido um dos ritos de entronização menos importantes, a cerimônia ganhou status e sua forma atual a partir de 1868, quando o Japão começou a se transformar em um Estado-nação moderno, unificado sob o imperador.

Dinheiro público
Em uma entrevista coletiva, o irmão mais novo do imperador, o príncipe herdeiro Akishino, se perguntou se seria "apropriado" usar dinheiro público, sugerindo os fundos privados da família imperial, o que exigiria uma cerimônia muito menor.

Mas Koichi Shin, líder de um grupo de 300 pessoas processando o governo para interromper o ritual, diz que isso ainda não seria satisfatório, já que os fundos privados ainda são gerados por impostos.

A batalha judicial é principalmente simbólica, à medida que a preocupação com o nacionalismo e o imperador desaparece.

Na época da entronização do imperador Akihito, em 1990, os protestos se tornaram violentos, incluindo ataques com foguetes caseiros antes de alguns dos rituais, enquanto 1.700 pessoas processaram o governo em meio à dura cobertura da mídia.

"O imperador Hirohito foi o responsável pela guerra, mas Akihito fez muito para amenizar a imagem da família", disse Shin, de 60 anos, que trabalha em um escritório.

"Mas acho que mostrar essas cerimônias na televisão solidifica a ideia do imperador como religião".
Fonte: Alternativa com Reuters