Com tudo isso, quem hoje quer ser dekassegui? Muita gente. Entre os que vieram desempregados pela crise, ou fugidos do cataclismo de 11 de março, há muitos planos para o retorno. Afinal, a região destruída, localizada na costa nordeste do Japão, terá de ser reconstruída. E isso vai exigir muita mão de obra.
Essa, no momento, é uma ideia não só falsa, como perigosa. Quem diz são pessoas que, há anos, lidam diretamente com os esses imigrantes. É o caso de Cori Passos, sócio da Shigoto.com, agência que há 12 anos cuida da colocação e viagem de dekasseguis. Ele disse que a reconstrução, em várias regiões, vai demorar. "Muitas cidades ficam na área contaminada pela radiação atômica", avaliou.
Na Associação Brasileira de Dekasseguis (ABD), fundada há 14 anos em Curitiba (PR), o tom é o mesmo. Glória Takemoto Hamasaki, que lida diretamente com os interessados, pede "bom senso" aos que querem voltar agora. "Não há condições atualmente. O governo do Japão está com dificuldade em manter as pessoas, garantir comida e água."
As perspectivas são de que a necessidade de mão de obra aumente a partir do fim do ano. O Conselho para o Planejamento da Reconstrução do Japão previu, nos últimos dias, que o trabalho dure dez anos. Além disso, os postos que eram ocupados pelos 14,5 mil mortos (e número semelhante de desaparecidos) terão que ser preenchidos.
Mas ninguém quer esperar. Cori afirmou que muitos já chegam com o passaporte dizendo 'chega lá eu me viro'. "Mas hoje a situação está difícil", disse. Segundo Glória, eles se queixam de que fazem jornada regular de trabalho, de oito horas, e que a hora extra desapareceu.
Há os que querem mudar de emprego. "Eu digo não, estão ganhando pouco mas é garantido. Dá para pagar o aluguel, que é caro. Um casal paga US$ 700 (cerca de R$ 1,12 mil)." Para quem quer voltar ou quem quer ir, a especialista é taxativa: "Eu não aconselho. É bom cada um ficar no seu canto, é um risco ficar se mexendo nessa hora."
Glória salientou o problema da especialização da mão de obra. "Muitos não têm qualificação; aprenderam o trabalho lá no Japão como peões de linha de montagem de banco de veículo, por exemplo. Vão querer um posto de trabalho e não vão encontrar."
Em último caso, o conselho dela é: "Melhor vir do que ir". Afinal, aqui sempre se pode conseguir emprego com um parente, com ajuda de um amigo. "Lá não tem condições."
E há outro ponto, diz Helena Sanada, do Centro de Formação e Apoio do Trabalhador no Exterior (Ciate). "Depois da crise de 2008, o Japão passou a exigir que o dekassegui saiba falar, ler e escrever, ainda que minimamente, o japonês".
O Ciate é mantido pelo Ministério do Trabalho do Japão. Na década de 1990, quando os dekasseguis começaram a chegar, não sabiam nada sobre os costumes e as leis do país. O centro foi criado para orientar. Por mês, cerca de 150 interessados se inscreviam no curso, para aprender a língua japonesa, entre outros conhecimentos. Agora, a procura caiu a quase zero.
Novo cenário – Cori lembrou que o mercado de trabalho japonês mudou bastante. O setor de alimentação sempre esteve entre os que mais empregam. Mas, com o vazamento de radiação da usina de Fukushima e a contaminação de alimentos, as exportações de seus produtos declinaram.
Os dekasseguis que têm voltado desde a crise global de 2008 chegam com pouco dinheiro, constatou Glória, da ABD. Tradicionalmente, eles vinham depois de conseguir guardar uma boa quantia, muitas vezes suficiente para comprar uma casa. "Agora, eles vão embora insatisfeitos, por não terem alcançado seus objetivos." Isso explica também porque muitos querem retornar.
No caso dos que chegam, a ABD procura orientar sobre as condições atuais do mercado de trabalho brasileiro. Uma das saídas indicadas pela associação é a abertura de um negócio próprio.
Japão assiste à revoada dos estrangeiros
Os estrangeiros que deixaram o Japão, depois da tragédia de 11 de março, estão sendo chamados pelos japoneses de Flyjin – os gaijins (estrangeiros) que voaram (fly). Entre eles estavam, até 8 de abril, 7.472 brasileiros.
Os números são do Departamento de Imigração do Ministério da Justiça. Antes do 11 de março, havia no Japão 254 mil brasileiros. Formavam o terceiro maior contingente de dekasseguis, depois dos chineses e coreanos. Cerca de 185 mil chineses, 106 mil coreanos e quase 40 mil americanos também se foram.
O termo Flyjin está sendo usado informalmente em redes sociais e mensagens na internet. Seria uma reação dos japoneses que se mantiveram nos postos de trabalho, enquanto os estrangeiros fugiam. Entre esses, circula na colônia uma resposta pronta. Eles dizem que, nas demissões de 2008, motivadas pela crise econômica mundial, os japoneses foram poupados. E os estrangeiros, dispensados. E aqueles não reclamaram, como fazem agora.
Fonte: Diário do Comércio por Valdir Sanches
Fotos: Jaime Oide e Sílvia Zamboni/Folhapress
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